Imaculada Conceição da Maria 150 anos de Proclamação do Dogma
Por Frei Clarêncio Neotti, O.F.M
Estamos diante de um mistério. Ou seja: diante de um fato que nossa inteligência, por ser conhecidamente limitada, não consegue abranger nem explicar por inteiro. O mistério não contradiz a razão humana, mas a excede.
O privilégio da Imaculada Conceição não se refere ao fato de Maria de Nazaré ter sido virgem antes, durante e depois do parto de Jesus. Não se refere ao fato de ter ela concebido o filho sem o concurso de homem, mas por obra e graça do Espírito Santo. Não se refere ao fato de Maria não ter cometido nenhum dos pecados que nós costumamos fazer, confessar e nos esforçamos por evitar. Refere-se ao fato de Deus havê-la preservado da mancha com que todas as criaturas humanas nascem, mancha herdada do pecado cometido por Adão e Eva.
A teologia chama esta mancha de "pecado original". Original, não porque nascemos como fruto de um ato sexual. Mas original, porque se refere à origem de toda a humanidade, ou seja, aos nossos primeiros pais, que a Bíblia chama de Adão e Eva.
A Sagrada Escritura ensina-nos que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança. Não o fez por necessidade, mas num gratuito gesto de amor. Criado por amor, o ser humano estava destinado a uma plena e eterna comunhão com Deus.
A Sagrada Escritura ensina-nos que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança. Não o fez por necessidade, mas num gratuito gesto de amor. Criado por amor, o ser humano estava destinado a uma plena e eterna comunhão com Deus.
Comunhão tão íntima e divina, que o próprio Filho de Deus dela poderia participar sem nenhuma diminuição de sua divindade.
Ora, para o Filho de Deus encarnar-se, Deus havia escolhido desde sempre uma mulher e a havia imaginado santíssima, ou seja, adornada com todas as qualidades e belezas do próprio Deus. Para Deus, imaginação e criação é a mesma coisa.
Aconteceu, no entanto, o grande transtorno: nossos primeiros pais, apesar de feitos à imagem e semelhança de Deus, eram criaturas e como criaturas dependiam do Criador. Sua liberdade era a plenitude da liberdade como criaturas. Adão e Eva pecaram, querendo passar da liberdade e santidade de criaturas à liberdade e santidade do Criador, ou seja, quiseram igualar-se a Deus. Pecado de orgulho. Um pecado de desobediência à condição de criaturas, querendo a condição do Criador. Eles quiseram "ser como Deus" (Gn 3,5). Eles quiseram comportar-se como Deus e não como criaturas de Deus.
A Sagrada Escritura fala das conseqüências dramáticas dessa prepotência dos nossos primeiros pais: embora mantendo a dignidade de imagem e semelhança de Deus, perderam, como diz São Paulo "a graça da santidade original" (Rm 3,23), passaram a ter medo de Deus, perderam o equilíbrio de criaturas, ou seja, foram tomados pelas más inclinações e passaram a sentir em sua consciência a desarmonia e a tensão entre o bem e o mal e a experiência da terrível necessidade de optar entre um e outro, e "a morte entrou na história da humanidade" (Rm 5,12).
Ora, os planos de Deus, ainda que as criaturas os desviem ou quebrem ou não os queiram, acabam se realizando.
Aquela mulher imaginada (criada) por Deus antes do paraíso terrestre, para ser a Mãe do Filho em carne humana, estava isenta do pecado de Adão e Eva. Há, porém, uma verdade de fé professada pela Igreja, que ensina que todas as criaturas humanas são redimidas, sem exceção, exclusivamente pelos méritos de Jesus Cristo.
Ora, para o Filho de Deus encarnar-se, Deus havia escolhido desde sempre uma mulher e a havia imaginado santíssima, ou seja, adornada com todas as qualidades e belezas do próprio Deus. Para Deus, imaginação e criação é a mesma coisa.
Aconteceu, no entanto, o grande transtorno: nossos primeiros pais, apesar de feitos à imagem e semelhança de Deus, eram criaturas e como criaturas dependiam do Criador. Sua liberdade era a plenitude da liberdade como criaturas. Adão e Eva pecaram, querendo passar da liberdade e santidade de criaturas à liberdade e santidade do Criador, ou seja, quiseram igualar-se a Deus. Pecado de orgulho. Um pecado de desobediência à condição de criaturas, querendo a condição do Criador. Eles quiseram "ser como Deus" (Gn 3,5). Eles quiseram comportar-se como Deus e não como criaturas de Deus.
A Sagrada Escritura fala das conseqüências dramáticas dessa prepotência dos nossos primeiros pais: embora mantendo a dignidade de imagem e semelhança de Deus, perderam, como diz São Paulo "a graça da santidade original" (Rm 3,23), passaram a ter medo de Deus, perderam o equilíbrio de criaturas, ou seja, foram tomados pelas más inclinações e passaram a sentir em sua consciência a desarmonia e a tensão entre o bem e o mal e a experiência da terrível necessidade de optar entre um e outro, e "a morte entrou na história da humanidade" (Rm 5,12).
Ora, os planos de Deus, ainda que as criaturas os desviem ou quebrem ou não os queiram, acabam se realizando.
Aquela mulher imaginada (criada) por Deus antes do paraíso terrestre, para ser a Mãe do Filho em carne humana, estava isenta do pecado de Adão e Eva. Há, porém, uma verdade de fé professada pela Igreja, que ensina que todas as criaturas humanas são redimidas, sem exceção, exclusivamente pelos méritos de Jesus Cristo.
Ora, Maria é uma criatura e não uma deusa. Por isso, também ela deveria ter sido redimida por Jesus.
Os teólogos discutiram durante séculos sobre como Maria poderia ter sido remida. Nunca, nenhum santo Padre duvidou da santidade de Maria, de sua vida puríssima, de seu coração inteiramente voltado para Deus, ou seja, de ser uma mulher "cheia de graça" (Lc 1,28). Mas, ainda que a pudessem imaginar imaculada, havia teólogos que não conseguiam argumentos teológicos suficientes para crê-la isenta do pecado original. Um deles, por exemplo, foi São Bernardo, autor de belíssimos textos sobre Nossa Senhora, insuperável na descrição da maternidade divina de Maria.
Entre os teólogos favoráveis à imaculada conceição de Maria devemos mencionar o Bem-aventurado Duns Scotus, que argumentava assim: Deus podia criá-la sem mancha, porque a Deus nada é impossível (Lc 1,37); convinha que Deus a criasse sem mancha, porque ela estava predestinada a ser a Mãe do Filho de Deus e, portanto, ter todas as qualidades que não obnubilassem o filho; se Deus podia, se convinha, Deus a criou isenta do pecado original, ou seja, imaculada antes, durante e depois de sua conceição no seio de sua mãe.
Em 1615 encontramos o povo de Sevilha, na Espanha, cantando pelas ruas alguns versos, derivados do argumento de Duns Scotus: "Quis e não pôde? Não é Deus / Pôde e não quis? Não é Filho. / Digam, pois, que pôde e quis".
Também os artistas entraram na procissão dos que louvavam e difundiam a devoção à Imaculada. Nenhum foi tão feliz quanto o espanhol Murillo, falecido em 1682. A ele se atribuem 41 diferentes quadros da Imaculada, inconfundíveis, sempre a Virgem em atitude de assunta, cercada de anjos, a meia lua sob os pés, lembrando de perto a mulher descrita pelo Apocalipse: "revestida de sol, com a lua debaixo dos pés" (Ap 12,1).
Os teólogos discutiram durante séculos sobre como Maria poderia ter sido remida. Nunca, nenhum santo Padre duvidou da santidade de Maria, de sua vida puríssima, de seu coração inteiramente voltado para Deus, ou seja, de ser uma mulher "cheia de graça" (Lc 1,28). Mas, ainda que a pudessem imaginar imaculada, havia teólogos que não conseguiam argumentos teológicos suficientes para crê-la isenta do pecado original. Um deles, por exemplo, foi São Bernardo, autor de belíssimos textos sobre Nossa Senhora, insuperável na descrição da maternidade divina de Maria.
Entre os teólogos favoráveis à imaculada conceição de Maria devemos mencionar o Bem-aventurado Duns Scotus, que argumentava assim: Deus podia criá-la sem mancha, porque a Deus nada é impossível (Lc 1,37); convinha que Deus a criasse sem mancha, porque ela estava predestinada a ser a Mãe do Filho de Deus e, portanto, ter todas as qualidades que não obnubilassem o filho; se Deus podia, se convinha, Deus a criou isenta do pecado original, ou seja, imaculada antes, durante e depois de sua conceição no seio de sua mãe.
Em 1615 encontramos o povo de Sevilha, na Espanha, cantando pelas ruas alguns versos, derivados do argumento de Duns Scotus: "Quis e não pôde? Não é Deus / Pôde e não quis? Não é Filho. / Digam, pois, que pôde e quis".
Também os artistas entraram na procissão dos que louvavam e difundiam a devoção à Imaculada. Nenhum foi tão feliz quanto o espanhol Murillo, falecido em 1682. A ele se atribuem 41 diferentes quadros da Imaculada, inconfundíveis, sempre a Virgem em atitude de assunta, cercada de anjos, a meia lua sob os pés, lembrando de perto a mulher descrita pelo Apocalipse: "revestida de sol, com a lua debaixo dos pés" (Ap 12,1).
A lua, por variar tanto, é símbolo da instabilidade humana e das coisas passageiras. Maria foi sempre a mesma, sem nenhum pecado.
"No entanto, escreve o Santo Padre Pio IX, era absolutamente justo que, como tinha um Pai no céu, que os Serafins exaltam como três vezes santo, o Unigênito tivesse também uma Mãe na terra, em quem jamais faltasse o esplendor da santidade.
"No entanto, escreve o Santo Padre Pio IX, era absolutamente justo que, como tinha um Pai no céu, que os Serafins exaltam como três vezes santo, o Unigênito tivesse também uma Mãe na terra, em quem jamais faltasse o esplendor da santidade.
Com efeito, essa doutrina se apossou de tal forma dos corações e da inteligência dos nossos antepassados, que deles se fez ouvir uma singular e maravilhosa linguagem. Muitas vezes se dirigiram à Mãe de Deus como a toda santa, a inocentíssima, a mais pura, santa e alheia a toda mancha de pecado, ... mais formosa que a beleza, mais amável que o encanto, mais santa que a santidade, ... a sede única das graças do Santíssimo Espírito, sendo, à exceção de Deus, a mais excelente de todos os homens, por natureza, e até mesmo mais que os próprios querubins e serafins. E para a decantarem os céus e a terra não acham palavras que lhes bastem" (Ineffabilis Dei, 31).
No dia 8 de dezembro de 1854, o bem-aventurado Papa Pio IX declarou verdade de fé a conceição imaculada de Maria. O dogma soa assim: "Pela inspiração do Espírito Santo Paráclito, para honra da santa e indivisa Trindade, para glória e adorno da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e para a propagação da religião católica, com a autoridade de Jesus Cristo, Senhor nosso, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e nossa, declaramos, promulgamos e definimos que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, foi preservada de toda mancha de pecado original, por singular graça e privilégio do Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador dos homens, e que esta doutrina está contida na Revelação Divina, devendo, portanto, ser crida firme e para sempre por todos os fiéis" (Ineffabilis Dei, 42).
Estamos celebrando os 150 anos do dogma. Mas a devoção à Imaculada é muito antiga. Basta lembrar que a festa é conhecida já no século VIII. Desde 1263, a Ordem Franciscana celebrou com muita solenidade a Imaculada Conceição, no dia 8 de dezembro de cada ano e costumava cantar a Missa em sua honra aos sábados. Em 1476, o Papa Xisto IV colocou a festa no calendário litúrgico da Igreja. Em 1484, Santa Beatriz da Silva, filha de pais portugueses, fundou uma Ordem contemplativa de mulheres, conhecidas como Irmãs Concepcionistas, para venerar especialmente e difundir o privilégio mariano da Imaculada Conceição de Maria, Mãe de Deus.
Desde a proclamação do dogma, a festa da Imaculada Conceição passou a ser dia santo de preceito.
Em Roma, na Praça Espanha, para perenizar publicamente a declaração do dogma, levantou-se uma belíssima e trabalhada coluna encimada pela estátua da Imaculada Conceição. Todos os anos, no dia 8 de dezembro à tarde, o Papa costuma ir à Praça e com o povo romano e os peregrinos reverenciar o privilégio da imaculada conceição da santíssima Virgem, privilégio que deriva de seu título maior: ser a Mãe do Filho de Deus Salvador.
Nem quatro anos depois de proclamado o dogma, em Lourdes, na França, à menina Bernardete, simples e analfabeta, que perguntava insistentemente à visão quem era ela, recebeu como resposta, cercada de terníssimo sorriso: "Eu sou a Imaculada Conceição".
Não podemos esquecer que a estátua de Nossa Senhora Aparecida é uma Imaculada Conceição e por isso mesmo seu título oficial é Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Como é bonito, piedoso e comovente escutar o povo brasileiro cantando uníssono: Viva a Mãe de Deus e nossa / sem pecado concebida! / salve, Virgem Imaculada, / ó Senhora Aparecida!
Consagração de Maria a Deus
No dia 8 de dezembro de 1854, o bem-aventurado Papa Pio IX declarou verdade de fé a conceição imaculada de Maria. O dogma soa assim: "Pela inspiração do Espírito Santo Paráclito, para honra da santa e indivisa Trindade, para glória e adorno da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e para a propagação da religião católica, com a autoridade de Jesus Cristo, Senhor nosso, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e nossa, declaramos, promulgamos e definimos que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, foi preservada de toda mancha de pecado original, por singular graça e privilégio do Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador dos homens, e que esta doutrina está contida na Revelação Divina, devendo, portanto, ser crida firme e para sempre por todos os fiéis" (Ineffabilis Dei, 42).
Estamos celebrando os 150 anos do dogma. Mas a devoção à Imaculada é muito antiga. Basta lembrar que a festa é conhecida já no século VIII. Desde 1263, a Ordem Franciscana celebrou com muita solenidade a Imaculada Conceição, no dia 8 de dezembro de cada ano e costumava cantar a Missa em sua honra aos sábados. Em 1476, o Papa Xisto IV colocou a festa no calendário litúrgico da Igreja. Em 1484, Santa Beatriz da Silva, filha de pais portugueses, fundou uma Ordem contemplativa de mulheres, conhecidas como Irmãs Concepcionistas, para venerar especialmente e difundir o privilégio mariano da Imaculada Conceição de Maria, Mãe de Deus.
Desde a proclamação do dogma, a festa da Imaculada Conceição passou a ser dia santo de preceito.
Em Roma, na Praça Espanha, para perenizar publicamente a declaração do dogma, levantou-se uma belíssima e trabalhada coluna encimada pela estátua da Imaculada Conceição. Todos os anos, no dia 8 de dezembro à tarde, o Papa costuma ir à Praça e com o povo romano e os peregrinos reverenciar o privilégio da imaculada conceição da santíssima Virgem, privilégio que deriva de seu título maior: ser a Mãe do Filho de Deus Salvador.
Nem quatro anos depois de proclamado o dogma, em Lourdes, na França, à menina Bernardete, simples e analfabeta, que perguntava insistentemente à visão quem era ela, recebeu como resposta, cercada de terníssimo sorriso: "Eu sou a Imaculada Conceição".
Não podemos esquecer que a estátua de Nossa Senhora Aparecida é uma Imaculada Conceição e por isso mesmo seu título oficial é Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Como é bonito, piedoso e comovente escutar o povo brasileiro cantando uníssono: Viva a Mãe de Deus e nossa / sem pecado concebida! / salve, Virgem Imaculada, / ó Senhora Aparecida!
Consagração de Maria a Deus
A piedade popular sempre quis Maria muito perto de Deus. Por isso a faz ser apresentada no Templo aos três anos de idade e lá permanecer até os 12, aos cuidados das virgens que teciam e recamavam o grande véu do Templo, que separava a nave da sala chamada "Santo dos Santos", onde se guardava a Arca da Aliança. Esse véu era grande, grosso, todo bordado de ouro e tão pesado que se precisavam 300 sacerdotes para transportá-lo, quando necessário.
Os escritos que falam da consagração de Maria no Templo datam do segundo século, ou seja, são tão antigos quanto os Evangelhos, que silenciam por inteiro sobre os pais e parentela, sobre o nascimento, a infância e a adolescência de Maria. Que seus pais se chamassem Joaquim e Ana, o sabemos também desses escritos, chamados Apócrifos, precisamente de um livro intitulado "Protoevangelho de Tiago".
Os escritos antigos (não os Evangelhos) divergem, quando falam do lugar de nascimento de Maria. Uns a fazem nascer em Belém, para ligá-la com mais certeza à descendência de Davi, cuja família e parentela eram de Belém, onde nascera o próprio rei Davi. Outros sugerem Nazaré, como seu lugar de nascimento, já que a Anunciação aconteceu em Nazaré (Lc 1,26) e lá Maria tinha casa própria, quando recebeu a mensagem do Arcanjo Gabriel. No entanto, os escritos mais antigos, como o Protoevangelho de Tiago, a dão por nascida em Jerusalém, no lado norte da cidade, perto da piscina Probática. Encontramos essas informações também nos diários dos peregrinos cristãos do segundo século.
Essas lendas, nascidas da piedade popular, são verossímeis, isto é, podem ser históricas, porque, de fato, no Templo, trabalhavam as "virgens tecelãs" ou "virgens bordadeiras", sob a responsabilidade dos levitas. As moças eram devolvidas à família aos 12 anos, quando, pela Lei, tornavam-se maiores de idade e podiam casar-se.
Além do mais, nenhum outro lugar seria mais indicado a Maria, predestinada a ser a mãe de Jesus, do que o Templo, coração do povo, lugar reconhecido por todos como o escolhido pelo próprio Deus para se fazer presente na comunidade e dela receber o louvor e a glória. E tudo toma grande sentido, se nos lembrarmos que Jesus seria o novo templo de Deus na terra, o novo coração do povo (Ap 21,22). Ornamentando ou tecendo o grande véu, que escondia dos olhos comuns a Arca da Aliança, Maria se preparava para ser a nova Arca, abrigando em seu útero bendito o Filho de Deus. A ladainha lauretana, que cantamos em nossas igrejas, a chama de "Arca da Aliança".
É bonito imaginar Maria-menina, tecendo o sagrado véu do Templo, quando sabemos que ela teceu as roupas de Jesus, sobretudo aquela túnica inteiriça, sem costura, que Jesus vestia ao ser crucificado e que foi sorteada entre os soldados-algozes no Calvário (Jo 19,23).
É até comovente imaginar Maria no Templo, trabalhando desde a mais tenra infância, com as coisas sagradas, ela que daria carne e sangue à mais sagrada das criaturas, ao "primeiro de todas as criaturas", como chama São Paulo a Jesus, àquele que é a imagem visível do Deus invisível (Cl 1,15).
Mais tarde, Jesus vai impor aos discípulos o abandono da casa dos pais, da família e de todos os bens temporais como condição ideal de seguimento perfeito (Mt 10,37-38; Mt 19,29). Maria antecedeu-se a todos, porque deixou a casa, os pais, tudo. Há uma lógica muito grande na piedade popular, que a consagra a Deus, como a mais perfeita discípula, desde os primeiros anos de vida.
Como costuma acontecer, a lógica e a devoção popular transformam-se em piedade e liturgia. Desde os primeiros séculos, celebrou-se a consagração de Maria no Templo, embora, repito, nada digam a respeito os Evangelhos. Muito cedo, celebrou-se na Igreja do Oriente a festa da "Entrada da Santíssima Mãe de Deus no Templo" e a esse título dedicou-se no ano 543 uma Basílica em Jerusalém. No Ocidente, ou seja, na Igreja romana, a festa tomou o nome de "Apresentação da Bem-aventurada Virgem Maria". O Papa Xisto V, em 1585, introduziu a festa no calendário universal, no dia 21 de novembro, data em que a festa sempre fora celebrada.
Evidentemente, Maria teve de ser instruída e educada.
Teve de aprender a ler e compreender os salmos, os profetas, os livros sapienciais e o das Leis. Tudo isso ela deveria transmitir a seu filho, depois. Não temos nenhum escrito que fale de uma consagração explícita de Maria nem ao serviço do Templo nem a Deus diretamente. Mas sabemos que ela era toda de Deus, porque o Anjo Gabriel a chamou de "cheia de graça" (Lc 1,28), ou seja, totalmente possuída por Deus. O Anjo reforçou a afirmação, dizendo logo em seguida: "O Senhor está contigo". Se não bastasse, temos uma explícita consagração na resposta de Maria: "Sou a serva do Senhor. Aconteça comigo segundo a tua palavra" (Lc 1,38).
Quando uma criatura humana se consagra a Deus não faz outra coisa senão declarar-se serva do Senhor à inteira disposição de seu serviço, de sua vontade em todas as circunstâncias da vida, nada retendo para si nem de bens materiais nem de bens espirituais.
Quando uma criatura humana se consagra a Deus não faz outra coisa senão declarar-se serva do Senhor à inteira disposição de seu serviço, de sua vontade em todas as circunstâncias da vida, nada retendo para si nem de bens materiais nem de bens espirituais.
Observemos, no entanto, uma certeza: quando um homem ou uma mulher se consagram assim a Deus, a iniciativa não parte de sua vontade humana. Mas parte de Deus, que os inspira e os chama individualmente, deixando-lhes a liberdade de aceitar ou não o convite. A consagração, portanto, antes de ser um gesto humano, é um gesto divino que, porém, não se impõe, mas convida.
O momento da Anunciação é um belíssimo modelo de consagração.
O momento da Anunciação é um belíssimo modelo de consagração.
O Arcanjo representa a iniciativa de Deus, convidando Maria para um projeto novo, um projeto divino. Maria, mesmo sem entender os caminhos por onde andaria dentro desse projeto, aceitou o convite, confiando na graça de Deus. O seu "sim" foi sua consagração, aceita de imediato por Deus que, no mesmo instante pôs em andamento seu projeto. Deus nada impõe. Ele espera que a criatura use de sua liberdade. Deus havia escolhido Maria. E como a escolhera para ser a mãe de seu Filho, a ornara com todas as graças, particularmente com o privilégio de sua concepção imaculada, isto é, isenta do pecado original, que todos herdamos de Adão e Eva. No entanto, não a forçou.
Quis uma resposta livre e responsável. E Maria a deu, entregando-se inteira e em tudo à sua vontade, ao seu plano. Sua consagração a Deus, seu sim não valeu apenas para o momento da encarnação em Nazaré (Lc 1,38), valeu para a noite de Belém (Lc 2,6), valeu para o "estava de pé" junto à cruz, no Calvário (Jo 19,25), valeu no dia de Pentecostes (At 1,14).
Maria é o modelo perfeito de uma vida consagrada. Sua resposta incondicionada ao chamado de Deus, sua absoluta fidelidade em todas as circunstâncias boas, adversas e terríveis, sua quase identificação com os passos de Cristo, fazem dela uma pessoa consagrada por excelência.
Destaco duas características da consagração. Uma delas é a disponibilidade. Deus pode fazer da pessoa consagrada o que quiser e a pessoa, embora sempre procurando compreender as exigências divinas (porque a disponibilidade não dispensa o uso da inteligência, da vontade e dos sentimentos) não deve recuar, mesmo quando a vontade misteriosa de Deus a leve ao Getsêmani ou ao Calvário. Servir a Deus nas horas boas, iluminadas de sol, não é difícil. É verdade que também nessas horas devemos servi-lo. O encontro entre Maria e Isabel, o canto do Magnificat são exemplos de momentos estupendos, fáceis, exultantes, que chamo de "horas boas". Mas não só nos momentos de primavera devemos ser fiéis à consagração. Mas também quando se faz noite, quando as decepções nos invadem que nem água suja de enchente incontrolada. A condenação, a paixão e a morte de Jesus foram para Maria desses momentos cruciais. Ela confiou contra toda esperança.
Maria é o modelo perfeito de uma vida consagrada. Sua resposta incondicionada ao chamado de Deus, sua absoluta fidelidade em todas as circunstâncias boas, adversas e terríveis, sua quase identificação com os passos de Cristo, fazem dela uma pessoa consagrada por excelência.
Destaco duas características da consagração. Uma delas é a disponibilidade. Deus pode fazer da pessoa consagrada o que quiser e a pessoa, embora sempre procurando compreender as exigências divinas (porque a disponibilidade não dispensa o uso da inteligência, da vontade e dos sentimentos) não deve recuar, mesmo quando a vontade misteriosa de Deus a leve ao Getsêmani ou ao Calvário. Servir a Deus nas horas boas, iluminadas de sol, não é difícil. É verdade que também nessas horas devemos servi-lo. O encontro entre Maria e Isabel, o canto do Magnificat são exemplos de momentos estupendos, fáceis, exultantes, que chamo de "horas boas". Mas não só nos momentos de primavera devemos ser fiéis à consagração. Mas também quando se faz noite, quando as decepções nos invadem que nem água suja de enchente incontrolada. A condenação, a paixão e a morte de Jesus foram para Maria desses momentos cruciais. Ela confiou contra toda esperança.
Não lhe faltou a espada a atravessar-lhe o coração (Lc 2,35). Com o mesmo sim ao Arcanjo ela respondeu ao Filho torturado. O "amém" (faça-se) de Maria amalgamou-se de tal forma ao "amém" de Deus que ninguém e nada os pôde separar (cf. Rm 8,35).
Outra característica é a gratuidade. Só pode compreender o que é a vida consagrada quem consegue alcançar a grandeza do significado da gratuidade. Desprendimento e gratuidade são as duas exigências mais difíceis do Evangelho. A gratuidade não é hábito normal da vida diária. Muito menos em nosso tempo pervadido de consumismo, o que significa viver no jogo do comprar e vender e lucrar.
Outra característica é a gratuidade. Só pode compreender o que é a vida consagrada quem consegue alcançar a grandeza do significado da gratuidade. Desprendimento e gratuidade são as duas exigências mais difíceis do Evangelho. A gratuidade não é hábito normal da vida diária. Muito menos em nosso tempo pervadido de consumismo, o que significa viver no jogo do comprar e vender e lucrar.
A gratuidade corre por outros trilhos, que a maioria das criaturas morre sem conhecer. A pessoa consagrada nada pede em troca do serviço feito e muito menos exige. Nem pagamento. Nem aplausos. Nem recompensas. Nem gratidão. Maria viveu e serviu gratuitamente e na obscuridade da vida social. Ninguém sabe ao certo onde e quando nasceu. Ninguém anotou onde e quando morreu. No entanto, todos sabemos que ela passou, como Jesus, fazendo o bem (cf. At 10,38) e continua ainda hoje sendo a mãe solícita da comunidade cristã e modelo perfeito de consagração a Deus.